segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

pra que serve o bidê?

Não sei exatamente se é coisa da minha geração, ou da minha criação, da família, da cidade, do país. Não sei exatamente de onde vem isso, mas existe em todas as casas, e nunca soube exatamente o que era.
            Quase todas as casas, no banheiro tem a pia, o chuveiro, a privada... e a porra do bidê.  Pra que raios serve isso?
            Enquanto usufruo de um dos três utensílios do banheiro que de fato tem uma finalidade, fico pensando sobre as funções de um bidê. Passei a entender que é algo antigo, retrógrado, que nunca mais se usou, tipo o apêndice.
            Nos últimos anos, desde que me lembro, bidê é sinônimo de “criado-mudo do banheiro”. Coloco os papéis higiênicos extras. Todos os livros, revistas e gibis. De vez em quando, encontro alguns cadernos para escrever e rabiscar.
            Mas fico pensando que não somos tão burros e ninguém faria um criado-mudo com esse estilo, tão “privada”. E então esvaziei o criado-mudo para entender sua aerodinâmica e quem sabe, decifrar o porquê da sua existência.
            Inicialmente, me parecia um jeito mais fácil e simples de lavar os pés. Sempre que estou com preguiça de tomar banho e quero ir logo dormir, tenho que lavar os pés na pia. Mas acontece que a pia é alta e não foi feita pra isso, o que resultou na quebra da “cuba” do meu banheiro, quando eu apoiei o pé tentando me equilibrar.  Definitivamente, o bidê era mais fácil.
            Estava olhando friamente para o bidê. A imagem veio rasgando: é uma privada não confortável! Mas não era possível que alguém seria idiota o suficiente para fazer suas necessidades numa privada que tem um jatinho de água pra cima e um ralo que não passa, vamos dizer, muita coisa.
            E então entendi: serve, de fato, para limpar. Mas a bunda. E quanto mais eu procurava no Google as possíveis explicações, com imagens, listas, tutoriais, how-to, mais ficava assustado. Parecia um instrumento de tortura que eu deveria saber usar faz muito tempo.

            E agora, sempre que me deparo com o bidê e com sua verdadeira finalidade, fico em crise ao imaginar as pessoas colocando em suas casas como um móvel chique, de orgulho. “Vejam meu banheiro, temos um bidê. Compramos na Quinta Avenida. Não é lindo?”

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

pra sonhar

Acordar cedo e deixar o sol te esquentar quando ainda está frio.
            Sentar no telhado e ver a noite passar. Não ver o tempo passar.
            Sentir o cheiro de um livro que marcou. Ou grama cortada. Ou gasolina.
            Escutar a chuva de dentro de uma cabana. Ou uma boa música, alto e sem interrupções. Num bom fone
            Receber vários abraços ao mesmo tempo. Dar mais abraços ainda.
            Fazer uma criança rir. Fazer várias crianças rirem. E um adulto.
            Entrar em cena no palco. Ver uma boa peça de teatro. E um bom filme.
            Organizar um projeto próprio.
            Dirigir para o mais longe possível. Parar de dirigir.
            Dormir cansado e acordar revitalizado. Dormir de tarde.
            Caminhar de noite sem rumo. E sem nada nos bolsos.
            Ver horizontes.
            Dar a mão para alguém. Pelo máximo de tempo possível.
            Escrever.
            Desligar o celular.
            Ficar em silêncio. Gritar.
            Bolo de morango. E de chocolate com rum.
            Tomar o primeiro gole do Mocha Frapucino do Starbucks. Com chantilly.
            Entrar no mar. Ou no rio. Ou no lago. Ou na piscina. Na enchente, não.

            Sonhar acordado, dormindo, na soneca e no banheiro. Viver o sonho.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

o começo do fim

Recentemente, o assunto “fim” tem surgido muito na minha vida. Mas a expressão “começo do fim” veio para coroar um tópico específico e preocupante nos dias atuais: meus cabelos.
            Comprei pela internet um shampoo profissional anti-queda e nesse momento me dei conta do que estava acontecendo: o começo do fim dos pobres cabelos.
            Fui à praia e quando percebi, tinha queimado a entrada na testa e o topo da cabeça: os cabelos não mais me protegem dos males calorosos.
            Muitos amigos próximos estão cruzando os mesmos obstáculos. Deram a largada, mas todos querem chegar por último. O fim está tão próximo que consigo senti-lo na minha cabeça, careca.
            Mudamos o penteado, cortamos do lado para parecer que tem volume em cima. Deixamos uma franja para esconder as entradas. Ficamos com a postura reta para ninguém conseguir nos ver de cima pra baixo. Apalpamos a cabeça para tentar imaginar sua forma no dia em que todos os soldados abandonarem o posto.

            Quando se inicia o término, mudam-se os shampoos, os assuntos, a saúde, o estilo. A única salvação é pensar em trabalhar com a química: na vida, nada se cria, tudo se transforma. Se não tem mais jeito, transforme: espero que alguém faça um tapete com meus cabelos e minha cabeça lisa se transforme numa belíssima e estilosa careca para lindos e estilosos chapéus pousarem.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

meus relatos selvagens

Depois de ver o filme argentino, resolvi elencar os meus próprios relatos selvagens. Não está em ordem de “raiva”, mas cada um tem sua força em mexer comigo de uma maneira, bem, como dizer, selvagem.
            “Oi, podemos falar sobre os direitos humanos?” – na calçada da Paulista.
            O motoboy fazendo “não” com a cabeça depois de você quase bater o carro para dar passagem.
            No ônibus, ávido para voltar a ler seu livro, e uma freada brusca derruba o marcador da página. Perfeito, vamos ver se tenho memória para lembrar a página que estava.
            “Um temaki  de salmão completo com maionese, por favor.” Vem creamcheese.
            Flanelinhas.
            “Você nunca viu esse filme? Você se formou em cinema!”
            Descobrir que não tem papel higiênico depois de precisar dele.
            Servir leite no seu copo no café da manhã e ele acaba no meio do copo. E não tem mais leite em casa.
            Chegar na sala onde trabalho e o ramal já toca. Eu acabei de chegar!
            Acabar de assistir a última temporada disponível no Netflix, sabendo que existem duas outras temporadas rolando fora do país.
Maçãs podres descobertas pós-mordida cheia de vontade.
            “Você tá ficando careca também?”
            “Você faz cinema? Minha filha vai fazer um aniversário, será que você não poderia..........?” (preencha a lacuna com qualquer coisa, de filmar e fotografar, até servir coxinha)
            Aviões cancelados.
            Taxistas homofóbicos.
            Aulas decepcionantes.

            A lista é grande e selvagem. Dá pra fazer um curta de cada. Mas ia ter que tirar um ano sabático depois de tanta raiva.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

primeira vez

A primeira vez que você faz algo é sempre marcante. Explorar, essa é uma das essências do ser humano, e a primeira vez é uma grande busca do seu próprio ser.
            Lembro como se fosse ontem da primeira vez que fui fazer miojo em casa. Era tão simples, que errei. Segui ao pé da letra as instruções: coloque água, coloque o miojo, coloque no fogo, deixe por 3 minutos exatos, coma. Claramente, depois de três minutos com a ordem invertida dos fatores, o miojo continuava o mesmo, só que molhado. Coloquei no prato e comi o miojo duro, que mais parecia um sanduíche do que “macarrão”. Inesquecível.
            Ainda sinto a frustração que tive quando ganhei de Natal do meu pai minha primeira fita de Supernintendo. Na hora que abri o presente, na verdade, a meu ver, tinha ganhado uma coisa cinza, quadrada, com um adesivo de uns caras jogando basquete. Tentei ligar aquilo, tentei mexer, apertar algum botão: não podia ser só um quadro estranho de homens jogando basquete! Não ia colocar aquilo de enfeite no meu quarto! Só depois dessa primeira vez que aprendi o conceito de “fita de videogame”. Meu irmão tinha ganhado o videogame e os outros ganharam fitas para jogar. Nele.
            Lembro também da primeira vez que sentei num carro para dirigir. Eu e meu irmão, seguindo nosso instinto: cara, aperta isso e faz aquilo, o papai sempre faz isso. Claramente, dava tudo errado. Nem sabia direito como funcionava a embreagem. Mas a primeira vez que troquei uma marcha, e funcionou, ah, isso sempre estará guardado na minha memória.
            Ou mesmo a primeira barba que tive que fazer. Que coisa mais absurda! Sob a supervisão do irmão mais velho, estava decidido a tirar aqueles poucos pelos do meu rosto. Que raios de creme é esse que passa? E que tipo de sádico acaricia a pele com 3, 4, 5 lâminas!? Depois de quase um suicídio assistido, nunca mais esqueci. (e confesso que quase nunca mais fiz a barba. Já dizia Lincoln: tem um nome para pessoas sem barba. Mulheres).

            E só digo isso tudo por um bom motivo. Algumas coisas nunca mais voltarão. Só existe uma primeira vez para cada coisa. Sempre procurar novas coisas a fazer pela primeira vez. Ficam marcadas, essas primeiras vezes.