segunda-feira, 25 de maio de 2015

o grande parceiro

            
Ele não está morto, mas já merece uma crônica só sua. Uma singela homenagem ao grande parceiro e colega, que me acompanhou durante toda minha grande transformação na vida. Ele sabe que poderia ter ido comigo em lugares diferentes, com pessoas diferentes. Mas sua escolha foi simples: estamos juntos, vá onde quiser.
            A gente se conhece há mais de 10 anos. É muito tempo. E foram nesses últimos 10 anos que minha vida mudou radicalmente. De um possível médico, para um roteirista. De um homem com cabelo arrumado e barba feita, para um hippie cabeludo e agora uma síntese de tudo. Ele poderia ter ido em congressos internacionais comigo, mas me acompanhou em peças de teatro e festas.
            Hoje ele parece um pouco enferrujado, mas a grande beleza dele nunca se perde, por que ninguém nunca repara. Quase que te troquei, meu amigo, mas não o fiz (o dinheiro não deixou, na época). Quase aceitei que você estava acabado, mas ainda assim você me surpreende e permanece comigo.
            Quase te perdi algumas vezes, jogado no meio de outros tantos iguais a você. Quase esquecido em uma cadeira de festa de formatura. Surrupiado no camarim das peças de teatro. Mas você, amigo leal, nunca me abandona. Pode estar um pouco velho aqui e ali, mas mantém sempre a elegância que você porta, naturalmente.
            Você é um mentor. Você me põe pra cima quando estamos juntos. Me sinto mais importante ao seu lado. Você me transformou de criança em adulto. Você não me abandonou. Você me ensinou a sempre manter a postura, não importa quão velho ou estragado esteja. Você é uma inspiração.
            Ganhei você aos 15 anos e ainda te uso, sempre que posso. Que nossa amizade dure mais 10 anos.

            Obrigado por todas nossas aventuras e ensinamentos, terno. Acho que nunca vou te trocar por nenhum outro e espero um dia que você me acompanhe no meu casamento. Isso se a excelentíssima permitir, claro.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

deus tá vendo

           
Se você acha que passa despercebido nas suas malandragens, está enganado, meu irmão. Estamos de olho em você. Deus tá vendo.
            Você que senta no assento preferencial do ônibus e finge que está dormindo quando chega alguém que de fato precisa.
            Ou você que fura fila no carro e finge que estava perdido, só para entrar na frente de todos.
            Ou você que molha o cabelo na pia para falar que tomou banho.
            Ou você que estaciona na vaga de deficiente e sai mancando.
            Ou você que recebe o troco errado e não fala nada, porque claro, veio mais do que deveria.
            Ou você que olha pro lado na rua para poder jogar o papel no chão sem ninguém perceber.
            Ou você que compra aplicativos no cartão dos outros e jura de pé junto que era de graça.
            Ou você que coloca os óculos escuros para poder secar a mulherada. E os homens também.
            Ou você que anda na velocidade da luz, mas desacelera para passar no radar e na frente da CET.
            Ou você que elogia a roupa mais brega da sua pior inimiga.
            Ou você que finge estar no celular quando aparece alguém que você não quer conversar.
            Ou você que coloca o e-mail alheio no spam só para poder falar que foi parar lá e você não tinha visto.
            Ou você que fala que está chegando na reunião e nem saiu de casa ainda.
            Ou você que elogia a comida e logo vai atrás de um lixo para poder cuspir tudo fora.
            Ou você que finge que não vê quando seu cachorro faz coco na rua.

            Temos olhos de águia. Estamos de olho em você e nas suas malandragens. Se cuida, rapá, Deus tá vendo.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

testamento


            Já fui duramente criticado por muitos por tentar sempre atualizar meu testamento. Ficam bravos, alegando que sou muito jovem para pensar nessas coisas. O problema é que as pessoas morrem, aleatoriamente, a toda hora. E quando escrevemos nosso testamento, refletimos sobre o momento atual da nossa vida.
            Lembro que sempre começo os testamentos dizendo minhas senhas. Nossa vida está praticamente inteira no laptop, no Dropbox, no e-mail. É mais importante terem acesso às senhas da internet do que da senha do cofre, que não tenho. Não precisa ficar fuçando minhas coisas pessoais, mas sempre é bom ter acesso. Vai que chega um comprovante de depósito de um milhão no meu e-mail?
            Logo em seguido, faço minha doação. Como não tenho quase nada, sempre acredito que não haverão brigas pela minha cama, meus livros, meu computador e pelo celular. Um ou outro deve discutir para conseguir minha mesa de DJ, que deve ser o objeto mais exótico que possuo. Fica com quem quiser.
            E então começo meu sermão, como se já estivesse morto e as pessoas lendo ficariam comovidas. Algo do tipo, “Se você está lendo isso, eu já fui e, cara, aqui é muito da hora! Não se assuste se eu aparecer a noite em casa”. Com essa quebrada de gelo, inicio meu monólogo fúnebre sobre o que foi a vida e como, agora que não a tenho mais, vocês deveriam aproveitar.
            Sempre caio no clichê do amor. Acho que é o tema que mais pega quando escrevemos testamentos. Falo um pouco sobre a família, sobre amigos e sobre a namorada. Coloco frases de efeito características. Deixo claro que mais importante que a mesa de DJ é poder amar alguém, e ser amado de verdade. Caio na armadilha da amizade, e elogio as pessoas que sempre estiveram perto de mim. Entro no tema espiritual, falo sobre como ter a morte sempre a vista te faz viver da melhor forma possível.
            O testamento vai chegando ao fim, depois de algumas reflexões importantes que julgo necessárias para tudo. E termino agradecendo. A tudo e todos que passaram na minha vida. Inclusive o leitor, que se deu o trabalho de chegar nas últimas linhas.
            Atualizar o testamento é refletir. Depois de escrever o primeiro você vai perceber o que deixou de fora e deverá concretizar essa ação na própria vida. E ver quem ficou dentro. E fortalecer estes laços.

            E, claro, termino com uma frase final bacana, daquelas que se eu morrer e tiver um fã, pode ser que ele tatue no corpo. Sempre importante deixar um marco em vida para poder tirar vantagem na morte. Sabe como é, você chega onde estou e tem que competir com Einstein, Jesus, Gandhi, John Lennon, Napoleão, Madre Teresa, Marx, Da Vinci e todos os bilhões de desconhecidos... É, a morte é um pouco complicada também.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

trabalho-pessoal-ainda-não-remunerado

            
Acordei sem despertador. Dia 4 de Maio de 2015. Primeiro dia útil depois de uns 5 anos sem ter que ir trabalhar. Começaram já as superstições: o dia está chuvoso. Mas é uma chuva fina. O significado? Por hora, parece que seja um alerta do tipo “nem tudo é sol e céu azul”, mas unificado com algo do tipo “mas logo passa, é fina”. E como dizia senhor Asterix e Obelix, depois da chuva, vem a bonança. A vida não vai ser fácil, mas chegaremos lá.
            Saí da cama e, andando meio errante pela casa, fiz uma observação pessoal que manterei como regra: tire seu pijama. Pareceu justo ter que me trocar para trabalhar para mim mesmo. Fazia isso pelos outros, por que não pra mim? Coloquei uma roupa gostosa. Mas me dei a liberdade de usar um chinelo. Jeans e chinelo. Agora sim, um profissional autônomo do lar.
            Comecei a elaborar minha primeira tentativa de estratégia de trabalho. Vou acordar, tomar café e fazer exercício. Mas está chovendo. Desencana. Acordar, tomar café e assistir a um filme. Mas, Victor, você lembra que você rende mais durante a manhã, não? Vamos deixar o filme para tarde? Acordar, tomar café e escrever. Parece justo. Pós-almoço, um filme para fazer a digestão e inspirar a volta ao trabalho. E o exercício? A gente encaixa amanhã. Perigoso, mas está chovendo e não é fácil brincar de reorganizar uma vida inteira numa segunda-feira chuvosa.
            Dei bom dia para a moça que trabalha em casa. Vai ser minha parceira de trabalho, pelo jeito. Vamos trocar ideias enquanto cada um faz suas coisas, trocar amenidades, jogar papo fora, de repente, até tomar uma cerveja. Novo espaço de trabalho, novos colegas, nova vida.

            Antes das 9 horas da manhã, escrevi essa crônica. Seja boa, seja ruim, é uma primeira crônica do trabalho-pessoal-ainda-não-remunerado (não gosto de chamar de "desemprego", tem uma conotação ruim). Seja lá o que isso for, é o primeiro passo. E se descobri alguma coisa nesses últimos tempos, temos sempre que dar o primeiro passo. E depois, meus amigos, vamos dar todos os outros que estão por vir nessa vida. 
De qualquer forma, boa sorte pra mim, hoje e nesse futuro arrebatador que está por vir.