terça-feira, 26 de agosto de 2014

das coisas que não acabam

Essa crônica está aqui para elencar os itens que não acabam da nossa vida. Simples assim.
            Queria começar fazendo minha singela homenagem às canetas e lápis. Estes sim sabem quão infinitos eles são. Não há um relato sequer na história da humanidade que conste algo como “tive que parar esse texto para recarregar minha Mont Blanc”. Canetas são infinitas, e diante disso, para o bem da revolução econômica do mundo, a BIC criou seu exército de gnomos que tiram as canetas mais velhas, mesmo que inacabadas, de circulação. Lápis passam pelo mesmo problema. Ninguém nunca diz “Pera lá! Cortei meu dedo apontando um lápis que está acabando!”. Sem saber, você já está com um lápis novo e não faz a menor ideia de onde foi parar o antigo. 
            Meu segundo item interminável e que merece sua especial atenção é o fio dental. Eu juro, por tudo que é mais sagrado, que eu uso semanalmente o mesmo fio dental que sempre usei desde que me lembro por gente. Tudo bem que não sou de usar fio dental todos os dias, como recomendam os especialistas, mas a parada não acaba. Tem algum poder especial naqueles fios que se multiplicam. Algo semelhante à natureza genética do cabelo de Rapunzel.
            Mas o último ponto que gostaria de tocar aqui remete à era digital, para não ficar soando um saudosista que não sou. Por mais que você tente, por mais esforço, por mais coragem e dedicação de passar horas do seu dia em função desta tarefa, é simplesmente impossível. Aplicativos de jogos no Facebook sempre serão infinitos, meus amigos. Não adianta bloquear o Candy Crush, que vem a vaca do Farm Ville e te manda uma notificação: “Ei, coloquei um ovo de ouro! Me ajude a chocar!”. Não conseguimos bloquear as “Mentes Criminosas”, que o Candy Crush se transforma em “Candy Crush Saga”.
Uma caneta, um lápis, um fio dental, essas coisas não acabam e isso é bom. Agora, aplicativos do Facebook, isso veio para ser o décimo círculo do inferno de Dante. Devo merecer o castigo! Vós que estais na Internet, serás infinitamente convidado a jogar “Dragon City” ou quaisquer merdas parecidas.
            Quando coisas intermináveis começam a surgir, e não em prol do universo, Deus devia interferir, mandar um novo dilúvio e construir uma barca que só deixe entrar aqueles que tenham boas ideias de coisas que não devam acabar nunca na nossa vida: cerveja, dinheiro, sexo, risadas e claro, o bendito fio dental e as canetas.

                       

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

constrangimentos

Nós seres humanos passamos constantemente por momentos de provação, por momentos que precisamos nos manter de pé e saber lidar com o constrangimento. São momentos que nos colocam contra a parede, nos desafiam como pessoas e que precisamos tomar uma decisão. Geralmente, tomamos a pior. A resposta de cada um nos define como homens.
            Às vezes estamos pasmando para um lugar, e quando percebemos, esse lugar é o par de peitos de alguém. A situação é sempre péssima, porque independe se o par de peitos é bem formado ou não: sempre vamos nos julgar culpados. Tanto faz se a pessoa é uma moça ou uma velha ou uma criança. E como lidar com isso? Desculpa? Que belos seios? Sai correndo? A resposta de cada um nos define como homens.
            Ou por exemplo quando está num ambiente fechado, com outras pessoas, e aquele odor peculiar sai debaixo da sua cueca e infesta o ambiente. Somos colocados em xeque. Como lidar com isso? Assume? Finge que nada aconteceu? Começa a se movimentar bastante para tentar pulverizar o cheiro? O que fazemos nos define como homens.
            Ou quando somos crianças, nos preparando para o primeiro beijo. Você está a uma semana treinando e escovando os dentes a cada duas horas, comendo Halls a cada uma. Você assiste o máximo possível de filmes para saber como vai ser a hora. Está tudo combinado faz mais de um mês. Mas quando chega o momento, o que fazer? Beijar? Abraçar? Selinho? Língua? Dançar um pouco antes? Mãos na cintura, nas costas, nas nádegas? O que fazemos nos define como homens.

            Mas nenhuma dessas situações se compara com o constrangimento de estar num dentista, e depois de ele falar com você e te perguntar coisas enquanto opera sua boca e você está completamente impossibilitado de responder, os olhos dos dois se encontram. Tem reações que nos definem. Mas tem momentos que não há reação. Conhecemos o teto do consultório como ninguém, e o constrangimento envolvido de cruzar olhares com seu dentista é tranquilamente o maior de todos já experimentado na vida. Não há saída, nem resposta, nem reações. E até hoje, é preferível falar “Que belos peitos”, ou “Fui eu, porra!”, ou “Vou te beijar, gata” do que trocar olhares com o dentista.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

trabalhar é...

            ... passar o dia inteiro sentado esperando que sua bunda vá aguentar.
            ... falar baixo no celular nas ligações pessoais, e muito alto nas ligações de trabalho.
            ... ter sempre uma janela de Excel rápida e fácil.
            ... entrar no Facebook a cada 5 minutos nos dias de muito trabalho.
            ... e não deslogar do Facebook em dias de ócio.
            ... tomar 10 cafés por dia, mesmo sem gostar, só para sair da cadeira.
            ... escolher cuidadosamente o horário para almoçar, para que sua volta coincida com a saída do chefe, ou vice-e-versa.
            ... programar e-mails para sair da sua caixa de entrada depois da hora do expediente, enquanto toma uma cerveja com os amigos.
            ... fazer as melhores buscas de hotéis e passagens para suas férias.
            ... não saber dizer uma informação da empresa, mas sabe exatamente quantos dias de férias ainda restam.
            ... programar o cartão de crédito para 5 dias depois de receber.
            ... passar a semana pensando no que pode fazer para que a semana seguinte não seja igual a essa.
            ...  entrar no email pessoal antes do email do trabalho.
            ... escovar os dentes durante muito mais tempo depois do almoço.
            ... aprender a pasmar profissionalmente.
            ... postergar até onde é possível o próximo job.
            .... não postergar em nada o dia de receber.
            ... mandar um e-mail de “recebido” só para ter mais tempo para não responder o e-mail.
            ... escrever a próxima crônica entre uma tarefa e outra.
            ... ser o mestre em arrumar os post-its da sua mesa por um longo período de tempo.
            ... planejar sua vida inteira, nunca incluindo estar no trabalho.
            ... ir e voltar dessa página várias vezes com o mesmo intuito de achar uma nova frase para incluir.
            ... saber da agenda de todos os chefes para melhor não encontra-los.



E finalmente, é tomar cuidado para ter certeza que esse texto não representa seu autor, e sim uma obra de ficção, com um personagem em primeira pessoa que não se assemelha, de forma alguma, com o representante deste texto e blog.

E também reconhecer que se você não se encaixa em todos os tópicos, claramente o personagem em primeira pessoa te deu alguma dica que vai usar muito em breve.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

propaganda


Existe algo tão improvável (para não dizer impossível) quanto acordar num sábado de manhã, e, por favor a uma velha amiga, ir gravar uma propaganda para a faculdade. Dela. Favor. Grátis. Sábado de manhã. Não podia dizer não, não podia inventar uma desculpa. No impulso, por livre e espontânea vontade fui obrigado a aceitar.
            Mas o dia, por mais estranho que pareça, prometia algo maior. Se acreditasse fielmente em movimentos de energia, teria rolado um sismo energético nessa “madrugada” de sábado.
            Como de costume e carregando a boa educação que meus pais deram, fui com tudo sem reclamar, salvando essas palavras pra esta humilde crônica. Era um apartamento, perto de casa pelo menos. Entrei e com um sorriso na cara e força nos braços, apertei com um longo abraço minha amiga. Tudo bem, sou um cara do dia mesmo, não ia encher o saco por ser Sábado de manhã. E todos nós que já filmamos alguma coisa na vida sabemos que não há coisa melhor do que a colaboração de todos, como manda a etiqueta.
            Era uma propaganda. 30 segundos. Já tinha feito séries de 13 episódios. Isso ia ser “piece-of-cake”, nem deveria marcar tanto minha vida. Victor, você vai fazer um cara que está prestes a sair para jantar e fica pressionando sua mulher para ela ir mais rápido, pois está sempre atrasada e ainda falta pintar as unhas. Ela vai te irritar um pouquinho, mas vai usar o spray-esmalte que inventamos para a propaganda – que pinta as unhas na velocidade da luz. Ela levanta, dá um beijo em você e sai feliz.
            Se eu pudesse, algum dia na vida, gravar coisas que não sabia que seriam tão verdadeiras por muito tempo, teria o feito com essa frase. Podia ter cortado a parte do “spray-esmalte”, porque pouco me interessa. Ficaria com as palavras “sua mulher”, “sempre atrasada”, “ainda falta...”, “te irritar”, “dá um beijo”, “dá um beijo”, “dá um beijo” e finalmente, “sai feliz”.
            De repente, essa grande amiga tinha dito uma profecia, fez um encantamento com macumba e rezas, sangrou um bode e disse isso tudo. É impressionante como conseguiu sintetizar a vida.
            A “sua mulher” é minha namorada, que sim, está “sempre atrasada” e sempre “ainda falta...” alguma coisa. Mas quando começa a “te irritar”, ela “dá um beijo”, e depois ela “dá um beijo”, logo em seguida, ela “dá um beijo”, e finalmente “sai feliz”. A única coisa que faltou dizer na frase, mas não cabe às profecias dizerem tudo, era que eu seria o “homem mais feliz do mundo” até hoje.