segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

temas


Quando a gente começa a escrever sem saber sobre o tema que vamos falar, dá ruim. Por exemplo, vamos analisar piamente como o final dessa crônica possivelmente não terá nada a ver com o início dela. Isso é um caso claro de autor sem tema.
            Mas por outro lado, é necessário escrever o primeiro parágrafo para conseguir começar a visualizar um possível caminho para suas palavras, que sambam e desfilam na tela do computador. Vamos falar de crônicas sem tema, ou podemos falar do não-tema. Podemos também puxar a sardinha para o ato de escrever e pensar ao mesmo tempo e como isso pode ser confuso.
            Dito isso, tomo rumo em outra estrada: a da infinidade de temas para escrever, ou melhor, para fazer arte de forma geral. Nunca acabará, nunca terá um fim. Impossível dizer: chegamos ao nosso limite, tudo que for feito nas artes de agora em diante será uma repetição de algo já feito. Jamais.
            Portanto, continue a nadar, como diria Doris. Keep walking, para os mais adultos. É mais complicado começar um início do que terminar um fim. Seja um pouco Pollock e arremesse suas coisas na sua arte. Sempre aparece uma novidade. Uma gota de tinta que escorreu para o lado errado do painel. Uma dor no braço por ter arremessado com tanta força. Um clique na cabeça.
            E assim é incrível perceber como um primeiro parágrafo, que não tinha o menor sentido, que parecia mais uma justaposição de palavras do que de fato um texto com ideia concisa, agora tem vida. A partir dele, chegamos em um pensamento, uma ideia, um primeiro empurrão para a inércia tomar conta.
            A maior lição que nos ensinam na vida é começar. Em qualquer lugar, de qualquer jeito, mas começar.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

carregadores

Tenho um ao lado da cama, um no carro e um ambulante, dentro da mochila. Era um homem feliz e não sabia. Como eram fáceis e planejadas as recargas do bendito smartphone. Depois da adaptação inicial do “carrego meu Nokia uma vez por mês” para o “carrego a cada 10 minutos meu IPhone”, tudo entrou na normalidade com os 3 cabos que tinha.

            Até a Apple resolver trocar os carregadores do 4 pro 5. Ingenuamente, feliz com a possibilidade de conseguir um celular melhor, fiz a troca de aparelhos. E então os problemas começaram. 

            O cabo do lado da cama fica preso numa tomada escondida e por tal motivo não é nunca feito para ser itinerante. 

            O cabo de dentro do carro serve unicamente para tocar música nos horários que programas de rádio são insuportáveis. 

            O cabo ambulante serve para recarregar no trabalho e nas situações de risco, quando o mal se espreita (tipo uma colação de grau de faculdade – só vive quem tem bateria cheia).

            O celular novo vinha com só um cabo. É quase vender um carro com só uma roda. E com um cabo, o destino me parecia assombroso. Foram 2 meses de puro terror, em que se esquecia o cabo em casa, dentro do carro, escutando programas de rádio ruim porque o cabo ficou no trabalho. O horror, o horror.

            Comprei o segundo cabo. O mundo parecia um lugar menos tenebroso e garanti que o cabo do lado da cama ficasse lá, intacto. Fiquei feliz.

Se um dia alguém quiser acabar com o mundo, vão começar a propor o racionamento de carregadores de celular. Depois da água e da internet, carregadores estão em terceiro na lista de prioridades do dia-a-dia.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

reféns

Somos para sempre reféns das páginas brancas (ou qualquer outra cor uniforme), vazias. São elas que nos encaram e nos ameaçam: sou capaz de te colocar no chão, acabar com sua raça, expor sua infinita miserabilidade. São do mal, são ruins. E sabem fazer a gente sofrer.
            Desde criança. Ela te encara e manda: cria uma casinha, com o sol atrás e nuvens, quero ver. E quem sabe desenhar um sol? Ou uma nuvem? Nuvens eram azuis na minha época. E o sol tinha vários braços. E às vezes uma carinha no meio. O papel te olha e fala: você é incompetente, mas vai com tudo. Quem sabe um dia você melhora. Quem sabe...
            E a gente melhora. Depois dos desenhos, a gente descobre a beleza gigante das palavras e letras, vários desenhos que colocados na ordem certa, criam imaginações. O papel te encara de novo: você passou no teste do desenho, apesar de medíocre. Palavras, quero ver você me preencher. E você vai fundo. Troca os desenhos-letras por outros desenhos-letras. Inventa novos. Aprende a colocar a sonoridade do seu nome em desenhos. E mais no futuro, consegue descrever o que foram suas férias de verão num papel em branco, cheio de letras e palavras, tortas, erradas e coloridas, mas significativas.
            O papel se diverte, ri um pouco da sua cara. Te conhece melhor que você mesmo, seus defeitos, suas trocas do V por F, sua assinatura secreta, suas cartas de amor nunca entregues. E ele ri. Ri alto até você transformá-lo numa bola e arremessa-lo. Ele gosta. Nunca morre, apenas desaparece, se transforma em picadinho, em rascunho, em poeira dentro de pastas escritas 5ªB – 1999.
            E você persiste nessa missão de pintar todos os papéis em branco. Com textos, desenhos, rabiscos, trabalho, online e off-line. Uma missão pra vida. E com o tempo você entende porque o sr. Papel te fazia sofrer, te obrigava a preenche-lo de qualquer forma possível. Ele é refém da própria condição. Papéis em branco são como qualquer outra coisa no mundo. Agora quando preenchemos o sujeito, ele se transforma, ele é único, especial, seu ou presente para alguém. Ele é importante, seja uma nuvem azul, um sol com braços, sua primeira assinatura, ou um Dostoievski.  

            Somos reféns do próprio refém. E para sempre assim.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

a nossa iniciação

Todos que são da minha geração pra cima, e um pouquinho para baixo, tiveram que passar pela iniciação tecnológica da vida. Foi o processo árduo de ler manuais de instrução de um trilhão de objetos tecnológicos que chegaram e a gente nem sabia o que fazer. Passar a entender uma lógica diferente no mundo.
            Já escrevi numa crônica sobre a primeira fita de videogame que ganhei. Não fazia o menor sentido aquela peça de plástico, sem botão, que não era uma mini-televisão e aparentemente não servia pra nada. Mas fui iniciado no universo e tive que aprender a mexer em tecnologia (seja lá o que isso seja).
            Com 16 anos ganhei meu primeiro celular, comecei a engatinhar na área e, a pedidos do meu pai, li todo o manual de instrução. Como se fosse uma prova. Desesperado, caso eu clicasse o botão que alterasse a língua para o Tailandês e não soubesse como voltar.
            O primeiro computador que meu irmão ganhou, isso sim era um sucesso. Virei adulto em menos de 2 meses: sabia abrir e fechar aquela CPU, colocar a placa de LAN, placa de vídeo, mudar o HD de lugar, colocar mais memória RAM. Noites em claro para fazer a internet discada e depois wi-fi funcionar (Orinoco, alguém? Ou só foi lá em casa essa piada?).
            Os livros e manuais de instrução ocupavam prateleiras inteiras em casa. A Barsa foi dando espaço aos “Como montar uma planilha no Excel”, “Formate seu computador com Windows 97”, instalação do primeiro The Sims (37 CDs e uma vida inteira).
            E ai, de repente, tudo ficou fácil. Não vinham mais manuais de instrução e sim garantias de compra e adesivos de maçã. Não tinha nem mais como abrir o computador. Games? Só clicar no botão da nuvem que ele aparece no seu console. Tudo virou uma coisa só que até um homem das cavernas (leia-se "nossos avôs") conseguem mexer.
            Como pregadores da nossa própria educação, às vezes sinto que fará falta às próximas gerações saberem abrir um celular. Ou não, e eu que perdi um tempão com esses manuais de instrução.