segunda-feira, 27 de abril de 2015

ferramentas corretas

            

Quando criança a gente deveria ter sido equipado com os acessórios e utensílios corretos. Acabaram nos podando de grandes feitos por julgarem, acredito eu que ainda não sou pai, perigosos. Um pequeno absurdo que com certeza já custa e custará muito à humanidade.
            Imaginem se tivéssemos acesso às ferramentas de construção e um pouquinho de cimento? Você acha que aquela fortaleza que você construía na sala de televisão iria cair? Ou ser invadida por algum irmão que gentilmente pula em cima de você? Você acha que seus pais iriam tirar você de frente da TV para estudar? Meus caros, fomos privados de um potencial inacreditável. Tenho certeza que não cairiam mais tetos de restaurantes, hangares, casas. E depois vinham ler a história dos três porquinhos pra gente, vangloriando o último deles. Que vexame passavam.
            Ou se deixassem a gente abrir um buraco na janela de restaurantes que servem rodízio? A gente acabaria com a fome do mundo. Era só deixar a bolacha no verde: Pode servir / Go ahead. E ir passando para alimentar o universo todo. Mas não, adultos trancam as janelas, lacram a liberdade, acho que talvez para evitar que a gente fuja desse mundo adulto e viva com o Peter Pan. E depois dizem que temos que comer tudo que tem no prato porque tem gente que não tem! Era só abrir um buraco na janela!
            Não deixavam a gente mexer com prego e martelo alegando perigo. Perigo, jura? Perigo é atravessar a rua de olho fechado, comer um pote inteiro de chuchu, arremessar bola de gude pro alto. Isso sim é o terror. Com um mero martelo e prego a gente poderia ter construído um zoológico para nossos tatu-bolas. A gente iria equilibrar o ecossistema. Você acha que passaríamos por essa seca se tivéssemos um martelo e um prego? Eu teria construído um rio no meio da cidade, conectando o Tietê com o Pinheiros pelo centro da cidade. Mas não, é muito perigoso. Pode machucar o dedo. E agora, que nem água pra lavar o dedo temos?

            Deveríamos acreditar mais no potencial das crianças. A falta de confiança dos adultos nos transformou em adultos, e isso tirou da gente o potencial da criança. Não concretizamos algumas coisas, literalmente, por susto dos mais velhos. Afinal de contas, sempre foi mais fácil dizer não do que deixar construir uma fortaleza de concreto no meio da sala. Um absurdo.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

assinatura




            
Que ninguém entende a assinatura alheia, é um fato conhecido do universo. São praticamente todas incompreensíveis, com exceção, claro, daquelas menininhas que fizeram suas assinaturas na 3ª série e mantiveram em letra de forma. Esse caso não conta.

            Quando comecei a ter pensamentos sobre a assinatura, tive a epifania clara de que eu poderia fazer qualquer coisa na minha assinatura, já que ninguém saberia o que era mesmo. Um desenho, por exemplo. Tinha que ser único, e fácil de repetir, obviamente. Ninguém ia querer assinar a Mona Lisa toda hora. Mas fato era, se ninguém entende o rabisco que está lá, poderia fazer um rabisco nada a ver com meu nome, com algo mais interessante.
            Nesse momento, o destino me salvou de passar vergonha. Fazia sentido tudo que pensava, mas achava que ia ficar infantil fazer um desenho, tipo uma espada, um skate, ou algo parecido. Resolvi pensar em algo escrito.
            O que escrever então? Weapon? The Sims? Bob Burnquist rules? Abaixo a guerra? Paz no mundo? Dilemas mil. Mas tinha certeza de que não queria escrever meu nome de cartório. Qual a outra opção óbvia? Meu codinome, claro. Lembra daquele e-mail que você fez com 12 anos (victor.potter@, ou victorthewizard@, ou infinityvictorsk8@)? Então, meu e-mail era com meu codinome: victor.hard@.
            Era HARD. Victor Hard. Nome de artista. Peguei metade do meu nome do meio (Cauduro – duro = hard). Simples, elegante, bonito. Comecei com meus 12 anos a treinar minha assinatura. Sem parar, em todas as aulas, em todos os momentos que podia.
            Só que o assunto foi esquecido por alguns anos, já que nunca precisava assinar nada oficial, só brincadeiras. Até uns 18 anos, quando fui renovar meu RG. Na hora, naquele turbilhão de pessoas e burocracias, pediram para eu assinar no local marcado. A única assinatura que eu sabia fazer?
            E essa é a história da assinatura que carimba meus passaportes, RGs, CNHs, empréstimos, contas, tudo. Se precisarem de mim, busquem por Victor Hard. Quando duvidam, mostro e repito. As pessoas não acreditam. Eu uso isso como minha piada pessoal, particular, e para sempre, engraçada.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

dicionário das redes sociais

            Se você aprendeu a escrever na escola, desista. Tudo mudou. E citando nosso caro McLuhan, o meio é a mensagem. Ou seja, a forma diz mais que o conteúdo.
            Ou você acha que a pessoa é a mesma ao escrever: “Oi, tudo bom?” ou “Oiee, tudo booom?” ou “oi td bm?” ou “OiiIIiII, TuUDDOoooO BoOOoMmm?” ou “oi.td.bom.?” ou mandar um audionote?
            Sim, a forma como escrevemos define o tipo de pessoa que somos. Ou pelo menos o que “estamos sendo” naquele momento. Imagina que se alguém ganha algo muito importante, você jamais poderia escrever “Parabéns”, a não ser que seja avô dessa pessoa. Caso contrário, ela ficará ofendidíssima.
            Ou mesmo as exclamações. Ah, como elas nos salvam! Um ponto final parece tão frio, tão seco. As exclamações trazem vida para a mensagem. É muito diferente escrever “Te amo”, “Te amo.” ou “Te amo!”. Cada um tem seu momento para ser usado. De repente mais seco e sóbrio, mostrando maturidade. Ou mais irônico. Ou mais certeiro de que a mensagem será captada como quiser. Use a vontade da maneira que lhe convir.
            Um pai, sem citar exemplos de qual, pode escrever “Ligar sem urgência. Grato”. Mas um amigo jamais poderia escrever isso sem estar fazendo graça. Uma namorada, se escrever isso, fuja! O chefe, tá sussa. Depende, claro.
            As escolas deveriam se modernizar e explicar para as crianças os novos métodos da escrita. Um vestibular no futuro vai fazer você analisar cada uma das possibilidades de escrever a mesma coisa e relacionar com a personalidade que escreveu. A Grafologia já era, precisamos atualizar. Os psicólogos vão usar suas conversas de WhatsApp para te analisar.

            Enquanto o futuro não chega, cuidado. A briga pode ser gigante se escrever “ok” e não “OK!!” ou “okkkk!” ou mandar uma carinha feliz.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

cenas picantes


            Quando a gente tinha uns 13, 14 anos, a gente não sabia de nada. Já tinha dado uns beijos por ai, mas mesmo assim, estávamos começando a entender nossa sexualidade. E como todos adolescentes do universo, não é um tema que queremos discutir com nossos pais. Muito menos ser expostos a cenas picantes ao lado deles.
            Mas por mais cuidadosos que nós sejamos, o universo do entretenimento sempre aparece pregando peças. Estava tudo bem, assistindo James Bond em casa. Que irado o carro dele! Olha essa explosão, caramba! Quanto tiro, e ele não morre! Mas seus pais entram para ver o filme com você bem na hora que 007 está deitado na cama com a Bond Girl. 
            Ninguém fala nada na sala. Se alguém falar, vão achar que estão mudando de assunto. Se ninguém falar, vão achar que estão pensando nisso na frente dos pais.
            Ninguém se move na sala. Se mover é dar trela que está sendo afetado pela situação. Não se mover é tentar ao máximo mostrar-se indiferente.  O que é ruim também.
            Poderia pegar o celular, mas isso não existia na época. E pegar o celular é ser afetado pela situação. Não pegar é estar prestando atenção ao que não se deve.
            Um pensamento em comum: acabar logo com a situação. Corre Bond, resolve o que tem pra resolver. Bond Girl, seja do mal, mude a expectativa e tente matar alguém, não fazer amor!
Lembro de pensar que isso seria resolvido quando ficasse mais velho, comentaríamos uma coisa ou outra. Mas ainda assim, quando aparece um corpo nu na tela, todo o processo se repete e ficamos desejando que um meteoro caia no jardim e acabe logo com essa situação.