segunda-feira, 24 de novembro de 2014

aproximadamente 5 segundos

            Os computadores tem um grande defeito: eles foram feitos por humanos. Se os computadores tivessem sido feitos por computadores, eles seriam mais computadores, e menos humanos. Mais máquina, mais exterminador do futuro, menos Marry Poppins.
            Estou escrevendo essa crônica querendo ir para casa. Estou preso no trabalho porque estou transferindo um arquivo de um lugar para outro. Quando comecei a transferir, a previsão para ficar pronta era de 6 minutos. Achei bom, já que quando alguém arredonda algum número para 5 ou 10, geralmente é mentira. Chego em 5 minutos! Fica pronto em 10. Sempre mentiras. Mas quando alguém fala “Demora uns 4 minutos”, aí então, estamos falando com sábios.
            Com o computador, acreditei que fosse mais certeiro ainda. Se o bicho fala que são só 4 minutos, não tenho motivo algum para duvidar. Agora faltam 2 minutos para terminar a transferência. Me parece correto, esse foi aproximadamente o tempo que demorei para escrever até aqui.
            Mas aí o computador virou homem. 2014, uma outra odisseia em São Paulo. As máquinas viraram seres humanos e muitas são parecidas comigo! A mensagem que ela me diz é “aproximadamente 5 segundos” para concluir a transferência.
            Esses 5 segundos estão demorando mais que qualquer outros segundos que já vi na vida. Se na vida 5 segundos demorasse tanto quanto este computador trapaceiro me fez acreditar, nós entenderíamos o sentido de imortalidade. Viver 70 anos seria como que pra sempre.
            Fico pensando quando deixamos as máquinas tomarem nosso lugar endeusado de “Ser Malandro” nessa nossa Terra. De repente estou usando muito Excel e pensando como computador. Preciso parar de pensar em gráficos e tabelas e voltar ao status de malandro, flexível, cheio de jeitinho e artimanhas. Amor, chego em 5, já saí de casa.

            Desligo o computador e demonstro minha superioridade. Melhor correr agora. A namorada tá esperando e essa crônica não vai ser suficiente para justificar o meu atraso.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

feriado não-emendado

            Existe uma tristeza no ar. Uma energia ruim. Um post-it que te encara. Um telefone que toca quando o que queremos apenas é o silêncio. Um almoço estendido. Um desejo de sair mais cedo. Uma paz ao escrever aqui, e não no corpo do email assuntos de trabalho.  Um assunto que chega por um ouvido e sai para Segunda-feira. Fotos de sol, piscina, compras, passeios, corridas, tudo no Facebook, nada na sua câmera. Um olhar pela janela e dois homens, perfeitamente saudáveis para estarem trabalhando, correndo tranquilos. Uma vontade de pedir uma Original, e não suco de laranja. Um desejo de dormir a tarde, vendo pela 17ª vez o mesmo episódio de Friends. Uma instigação de abrir aquele livro e terminar o capítulo – ele estava prestes a descobrir o assassino! Uma garrafa de água que está seca desde anteontem, e só vai voltar a encher depois do final de semana. Uma pilha de assuntos, todos com a mesma mensagem: semana que vem eu resolvo. Um tempo que não passa. Uma vontade de abrir o Netflix e terminar de rever Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças. Uma vontade de fazer tudo, e nada fazer. Uma agenda cheia de tópicos que atravessaram o último dia útil, pararam no feriado, e vieram assombrar nessa emenda. Uma decisão chula. Um dia inútil, que existe para planejar a continuação do feriado. Um corpo ainda descansando, uma mente mais ainda, e apenas roupas de trabalho. Uma ligação – diz que emendei o feriado, não quero atender. Uma fugida para assistir o Porta dos Fundos de ontem – para ver uns 15 seguidos. Um momento de silêncio para apreciar o som da cidade. Um assunto aqui, outro lá, para sanar-nos do tédio.


Ontem foi feriado. Amanhã é final de semana. E na maior cara de país europeu, algumas empresas brasileiras resolveram trabalhar hoje. Sexta-feira. Emenda de feriado.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

conjuntivite alheia

Começa a crônica sem nem saber escrever “Conjuntivite”. Tem um segundo “n” aí no meio que engana a todos que falam como seres normais. CONJU-TIVITE. Quem diria que tem um “n”? Um salve ao tradutor do Word.
            Mas aqui escrevo para discutir um problema mundial. Imagino todas as pessoas do mundo sofrendo da mesma situação, e isso exemplifica o porquê lidamos muito mal com algumas doenças alheias.
            Conjuntivite pega. Não é estilo as pessoas que chegam de óculos escuros no trabalho, é proteção. Mas a gente, os não-conjuntivados, sofremos. Quando entra alguém de óculos escuros, são sempre as mesmas quatro opções: você não é estiloso, mas tenta; você está de ressaca e te respeito; você é algum agente secreto, mas isso é muito raro; ou você tem conjuntivite.
            E como as três primeiras opções geralmente são fracas o suficiente para estar numa crônica, quando chega alguém de óculos, começamos o procedimento padrão da quarta opção: quarentena no escritório.
            Primeiro passo: corra para o banheiro e aproveite ao máximo. Depois que for contaminado, estaremos perdidos para sempre e privados do uso da privada.
            Logo em seguida, imprima tudo que precisa e não precisa. Mesmo ecologicamente incorreto, estamos contribuindo com o ministério da saúde e mantendo a mesma intacta. Conjuntivados sempre usam a mesma impressora que você.
            Garanta que não precisem usar o mesmo grampeador, régua, mouse.  Esse passo é mais simples, mas sabemos como as coisas funcionam: quando conjuntivados invadem a casa, sempre precisamos de uma caneta emprestada. Resista a tentação.
            Depois de chegar nesse momento que um conjuntivado é praticamente um walker de Walking Dead, se proteja pessoalmente: ligue o ventilador na direção contrária, abra a janela, segure a respiração quando passar por perto. E não olhe diretamente nos olhos. Conjuntivite vem do Grego e significa “olhares de Medusa”. Confie nos sábios.
            Uma vez que todo o procedimento padrão de quarentena se conclui, podemos voltar a trabalhar. Infelizmente, porém, tomamos tanto tempo nesse processo que o RH já mandou a pessoa para casa. Por 5 dias. Sem acesso aos e-mails. Sem telefonemas. 5 dias. Em casa. Sem trabalhar. Comendo Chocotone. Juro.

            O processo se inverte. Desligue o ventilador, sente no cubículo do conjuntivado, use todos os objetos, sente na privada, respire fundo várias vezes, lamba a impressora, mentalize o walker, olhe no olho das várias fotos, e dane-se todo mundo.  5 dias de férias.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

os piores presentes mais úteis de se ganhar

            Infelizmente, temos um grande preconceito ao ganhar certos tipos de presentes. Fico indignado, pois sempre fui partidário do “cavalo dado não se olha os dentes”. Temos que ficar agradecidos. Mas claramente não é a façanha mais fácil do mundo. Muitas vezes pelo presente em si.
Podemos ganhar algo que sempre queremos ganhar (cabe aqui o famoso “vale presente”, dinheiro, filmes); podemos também ganhar algo que não queremos ganhar (aqui, colocaria objetos como sabonete, caneta, camisa polo); mas também podemos ganhar algo que não queríamos ganhar, mas no fundo, ficamos extremamente gratos. 
Essa última categoria é a mais surpreendente. Parece que as pessoas mais esquisitas acertam os presentes que você mais queria, de uma maneira ou de outra. E que você mesmo sempre considerou um “não-presente”, mico.
Por exemplo, tenho uma tia que tem mania de dar samba-canção. Não sei se sou esquisito, ou se tenho manias estranhas, mas nunca pensei em dar samba-canção de presente. E quer saber? Uso sempre. Um dos melhores presentes que já ganhei na vida.
Outro tio, certa vez, me deu um pendrive de 2Gb. Na época, conseguia colocar praticamente todos meus arquivos da vida nisso. Usei por anos a fio e ainda uso. O coitado do aparelho, no dia que abri o embrulho, ganhou um sorriso amarelo meu. E mesmo assim foi sempre fiel ao dono e nunca deu pau.
No mundo do cinema, então, a gente fica acostumado aos brindes. E por mais que não use as malditas camisetas dos filmes, sempre gostei de ganhar. Fui uma vez a uma pré-estreia e pronto, não tinha camiseta, tinha um shampoo. Mas que cazzo! Outra vítima do sorriso amarelo, mas que provou ser o melhor shampoo que já usei na vida.
Mas o melhor mesmo, é quando você é surpreendido. E a melhor surpresa é quando você contradiz o próprio título da crônica e ganha o melhor presente mais inútil possível. E nessa lacuna tenho que agradecer minha avó do lado de pai.
Já ganhei de tudo dela, mas sua predileção é pelas coisas do pai dela, que me passa como se fosse herança. Ganhar uma luneta com as inicias do seu bisavô - uma luneta tão velha que enxergar a olho nu é melhor – é um mergulho na própria imaginação e na história de toda sua família, revisitando lugares que provavelmente nunca existiram, mas na sua cabeça, são os lugares que aquela luneta já enxergou. Uma África desconhecida, um império Romano decadente, uma exploração no fundo do mar, um bisavô pirata, soldado, camponês, médico.
Presente de verdade mesmo é uma ideia com outras mil ideias dentro. Nada de camisa polo ou vale-presente.