segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

espelho, espelho meu


            Já era madrugada. Tinha voltado do futebol com a turma, tinha assistido “Marley e eu” enquanto jantava um arroz requentado com uma cerveja. Tinha tomado banho e vivido já 26 anos. E, de repente, olhei para o espelho do banheiro.
            Lá estava eu. Me mexi rapidamente para me certificar de que aquele reflexo era a imagem mais apurada de mim mesmo. Tentei me olhar sem ser pelo espelho, mas só vi uma barriga que sempre julguei ok. Olhei ao reflexo e essa mesma barriga parecia já avantajada, algo que nunca tinha visto.
            Pisquei, abri a boca, dei uns pulos na calada da madrugada. Era eu mesmo. Olhei no fundo dos meus olhos, castanhos, e acho que olhei minha alma, de certa forma. Só podia ser. Por uns instantes, aquela figura não existia. Só havia espaço para se ver algo de dentro, invisível. Foi estranho, mas não queria parar.
            Olhei meus pais, meus irmãos, meus amigos. Olhei a escolinha, as danças de festa junina, sorrisos, dentes caídos debaixo do travesseiro. Olhei os primeiros filmes que assisti, os primeiros livros, as primeiras peças de teatro. Olhei meu primeiro skate. Olhei minha primeira e única recuperação de matemática na vida, na Sexta série. Olhei minha namorada, agora noiva. Olhei uma vida toda em poucos segundos, mesma sensação que criaram para narrar os últimos segundos antes de morrer.
            Eram 26 anos e alguns meses me encarando. Só conseguia ver coisas lindas. Nem por um segundo passou tragédia pelos reflexos do espelho. Tudo estava lá, mas só se vê o que você quer. Se vê o que se busca.
            Pensei na minha família que ainda nem existe. Só um pedaço de noivo e noiva almejando chegar lá. Pensei na minha casa. Pensei nos meus cachorros. Os 26 anos foram ficando para trás para dar espaço aos próximos anos da vida. Parecia que era impossível me compreender naquele momento, mesmo parecendo a previsão mais concreta possível do futuro.

            Espelho, espelho meu, quantos anos você me deu. E quantos anos ainda dará. A vida voa e é preciso enxergá-la de vez em quando. Dias se transformam em meses e anos. Antes que você perceba, já não é mais da geração das crianças e dos adolescentes. Já não tem mais escola ou faculdade. Já se passou um pedação da vida. E isso é lindo. Espelho, espelho meu, que vida você me deu.

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