Já
era madrugada. Tinha voltado do futebol com a turma, tinha assistido “Marley e
eu” enquanto jantava um arroz requentado com uma cerveja. Tinha tomado banho e
vivido já 26 anos. E, de repente, olhei para o espelho do banheiro.
Lá
estava eu. Me mexi rapidamente para me certificar de que aquele reflexo era a
imagem mais apurada de mim mesmo. Tentei me olhar sem ser pelo espelho, mas só
vi uma barriga que sempre julguei ok. Olhei ao reflexo e essa mesma barriga
parecia já avantajada, algo que nunca tinha visto.
Pisquei,
abri a boca, dei uns pulos na calada da madrugada. Era eu mesmo. Olhei no fundo
dos meus olhos, castanhos, e acho que olhei minha alma, de certa forma. Só
podia ser. Por uns instantes, aquela figura não existia. Só havia espaço para
se ver algo de dentro, invisível. Foi estranho, mas não queria parar.
Olhei
meus pais, meus irmãos, meus amigos. Olhei a escolinha, as danças de festa
junina, sorrisos, dentes caídos debaixo do travesseiro. Olhei os primeiros
filmes que assisti, os primeiros livros, as primeiras peças de teatro. Olhei
meu primeiro skate. Olhei minha primeira e única recuperação de matemática na
vida, na Sexta série. Olhei minha namorada, agora noiva. Olhei uma vida toda em
poucos segundos, mesma sensação que criaram para narrar os últimos segundos
antes de morrer.
Eram
26 anos e alguns meses me encarando. Só conseguia ver coisas lindas. Nem por um
segundo passou tragédia pelos reflexos do espelho. Tudo estava lá, mas só se vê
o que você quer. Se vê o que se busca.
Pensei
na minha família que ainda nem existe. Só um pedaço de noivo e noiva almejando
chegar lá. Pensei na minha casa. Pensei nos meus cachorros. Os 26 anos foram
ficando para trás para dar espaço aos próximos anos da vida. Parecia que era
impossível me compreender naquele momento, mesmo parecendo a previsão mais
concreta possível do futuro.
Espelho,
espelho meu, quantos anos você me deu. E quantos anos ainda dará. A vida voa e
é preciso enxergá-la de vez em quando. Dias se transformam em meses e anos.
Antes que você perceba, já não é mais da geração das crianças e dos
adolescentes. Já não tem mais escola ou faculdade. Já se passou um pedação da
vida. E isso é lindo. Espelho, espelho meu, que vida você me deu.
Adoro seus textos pq prendem a atenção logo de cara!
ResponderExcluirParabéns!!
Muito bom , sério perfeito quero ver mais e mais
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