Somos para sempre reféns das páginas
brancas (ou qualquer outra cor uniforme), vazias. São elas que nos encaram e
nos ameaçam: sou capaz de te colocar no chão, acabar com sua raça, expor sua
infinita miserabilidade. São do mal, são ruins. E sabem fazer a gente sofrer.
Desde
criança. Ela te encara e manda: cria uma casinha, com o sol atrás e nuvens,
quero ver. E quem sabe desenhar um sol? Ou uma nuvem? Nuvens eram azuis na
minha época. E o sol tinha vários braços. E às vezes uma carinha no meio. O papel te olha e fala: você é
incompetente, mas vai com tudo. Quem sabe um dia você melhora. Quem sabe...
E
a gente melhora. Depois dos desenhos, a gente descobre a beleza gigante das
palavras e letras, vários desenhos que colocados na ordem certa, criam
imaginações. O papel te encara de novo: você passou no teste do desenho, apesar de medíocre. Palavras, quero ver você me preencher. E você vai
fundo. Troca os desenhos-letras por outros desenhos-letras. Inventa novos.
Aprende a colocar a sonoridade do seu nome em desenhos. E mais no futuro,
consegue descrever o que foram suas férias de verão num papel em branco, cheio
de letras e palavras, tortas, erradas e coloridas, mas significativas.
O
papel se diverte, ri um pouco da sua cara. Te conhece melhor que você mesmo,
seus defeitos, suas trocas do V por F, sua assinatura secreta, suas cartas de
amor nunca entregues. E ele ri. Ri alto até você transformá-lo numa bola e
arremessa-lo. Ele gosta. Nunca morre, apenas desaparece, se transforma em
picadinho, em rascunho, em poeira dentro de pastas escritas 5ªB – 1999.
E
você persiste nessa missão de pintar todos os papéis em branco. Com textos,
desenhos, rabiscos, trabalho, online e off-line. Uma missão pra vida. E com o
tempo você entende porque o sr. Papel te fazia sofrer, te obrigava a preenche-lo
de qualquer forma possível. Ele é refém da própria condição. Papéis em branco
são como qualquer outra coisa no mundo. Agora quando preenchemos o sujeito, ele
se transforma, ele é único, especial, seu ou presente para alguém. Ele é
importante, seja uma nuvem azul, um sol com braços, sua primeira assinatura, ou
um Dostoievski.
Somos
reféns do próprio refém. E para sempre assim.
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