Para um garoto que andou de skate, de
bicicleta, pulava dos lugares, fez parkour, jogava qualquer tipo de esporte,
era de se esperar que ossos fossem quebrados, eventualmente. Mas acredito ter
um belo Anjo da Guarda que segura a onda geral aqui. Só foi um osso, e veio
recheado de lição de moral.
Estávamos
todos na casa do nosso bisavô em Campos do Jordão. Alguns momentos, mesmo com
tantas pessoas na casa, a parada ficava monótona. Já tínhamos feito de tudo que
a gente gostava de fazer. Mas ainda tinha alguns dias de férias e estava
faltando fazer algo.
Chamei
meu primo para explorar um pouco os arredores. A gente gostava de xeretar a
garagem, por que cada vez dava pra descobrir alguma coisa diferente: um machado
enorme, uns pedaços de ferro esquisito, uma charrete. Neste dia, encontramos
duas bicicletas. Deviam ter uns 40 anos. Duas Caloi Ceci, uma rosa e outra
verde.
O
Luca ficou com a verde. Eu com a rosa. Os pneus estavam meio podres, mas era o
suficiente pra gente dar uma volta. Vem pra cá, dá a volta na casa, sobe ali. A
monotonia tomou conta de novo da gente e resolvemos – por que não? – descer o
morro da casa.
A
ideia, um tanto segura, fazia sentido como forma de se aventurar e quebrar o
marasmo daquele dia. Passamos na frente da casa e seguimos para a descida
enorme do morro. E assim iniciou o momento “lição de moral”.
O
Luca é mais novo que eu. E portanto, na minha cabeça, não poderia jamais perder
a corrida até o fim. No início, receoso de descer a todo vapor um morro de
terra cheio de pedregulhos, fui mais cuidadoso. Não era necessário pedalar tão
rápido.
Mas
por uma força da gravidade, a bicicleta verde me passou. Junto dela, claro, meu
primo mais novo. Mais novo: menos experiente, menos corajoso, menos radical.
Jamais, óbvio, poderia chegar antes de mim no fim da linha.
Neste
momento, pedalei. Já era uma descida suficientemente perigosa. Mas não queria nem
saber. Tinha minha reputação a honrar. Pedalei forte, muito forte. E o
ultrapassei. Há! Se liga, mané! Sou mais velho! Come minha poeira.
Celebrando
minha vitória precoce, avistei o fim do morro. Já havia vencido, já era campeão
e, mais importante, tinha demonstrado minha superioridade em relação ao primo
mais novo. Agora, era só brecar a bicicleta e curtir os louros.
E
quem disse que os breques funcionavam naquela Caloi Ceci? Diante da morte
representada por uma fileira de pinheiros impossível de ultrapassar, tomei a
sábia decisão de pular daquela bicicleta antes de chegar na linha final.
Arremessei a bike pro lado e, como no circo, caí de pé, retinho. Só tinha
esquecido que eu estava a 200 km/h e, quando finquei o pé, no chão, meu corpo
voou pra frente.
Dei
algumas cambalhotas e cai deitado. Não saiu uma gota de sangue de mim (valeu,
Anjo da Guarda). Levantei rapidamente para evitar embaraços com o primo mais
novo. Olhei para trás e o Luca estava, prudente, descendo devagar o final do
morro, com seu breque em perfeitas condições.
Para
fingir que não foi nada, peguei a bicicleta no braço e voltamos a subir. Estou
bem! Relaxa! Hahaha! Ganhei! Isso, claro, antes de ficar branco e quase
desmaiar. Cara, chama meu pai lá na casa. Acho que quebrei alguma coisa.
Quebrei
a clavícula e feri meu orgulho. Nunca mais quebrei outro osso do corpo, só essa
crosta horrível que a gente veste pra fingir que é melhor que alguém. Que bom
que quebrou cedo. Que bom que saiu de mim. Valeu, Luca!