segunda-feira, 28 de setembro de 2015

osso quebrado


Para um garoto que andou de skate, de bicicleta, pulava dos lugares, fez parkour, jogava qualquer tipo de esporte, era de se esperar que ossos fossem quebrados, eventualmente. Mas acredito ter um belo Anjo da Guarda que segura a onda geral aqui. Só foi um osso, e veio recheado de lição de moral.
            Estávamos todos na casa do nosso bisavô em Campos do Jordão. Alguns momentos, mesmo com tantas pessoas na casa, a parada ficava monótona. Já tínhamos feito de tudo que a gente gostava de fazer. Mas ainda tinha alguns dias de férias e estava faltando fazer algo.
            Chamei meu primo para explorar um pouco os arredores. A gente gostava de xeretar a garagem, por que cada vez dava pra descobrir alguma coisa diferente: um machado enorme, uns pedaços de ferro esquisito, uma charrete. Neste dia, encontramos duas bicicletas. Deviam ter uns 40 anos. Duas Caloi Ceci, uma rosa e outra verde.
            O Luca ficou com a verde. Eu com a rosa. Os pneus estavam meio podres, mas era o suficiente pra gente dar uma volta. Vem pra cá, dá a volta na casa, sobe ali. A monotonia tomou conta de novo da gente e resolvemos – por que não? – descer o morro da casa.
            A ideia, um tanto segura, fazia sentido como forma de se aventurar e quebrar o marasmo daquele dia. Passamos na frente da casa e seguimos para a descida enorme do morro. E assim iniciou o momento “lição de moral”.
            O Luca é mais novo que eu. E portanto, na minha cabeça, não poderia jamais perder a corrida até o fim. No início, receoso de descer a todo vapor um morro de terra cheio de pedregulhos, fui mais cuidadoso. Não era necessário pedalar tão rápido.
            Mas por uma força da gravidade, a bicicleta verde me passou. Junto dela, claro, meu primo mais novo. Mais novo: menos experiente, menos corajoso, menos radical. Jamais, óbvio, poderia chegar antes de mim no fim da linha.
            Neste momento, pedalei. Já era uma descida suficientemente perigosa. Mas não queria nem saber. Tinha minha reputação a honrar. Pedalei forte, muito forte. E o ultrapassei. Há! Se liga, mané! Sou mais velho! Come minha poeira.
            Celebrando minha vitória precoce, avistei o fim do morro. Já havia vencido, já era campeão e, mais importante, tinha demonstrado minha superioridade em relação ao primo mais novo. Agora, era só brecar a bicicleta e curtir os louros.
            E quem disse que os breques funcionavam naquela Caloi Ceci? Diante da morte representada por uma fileira de pinheiros impossível de ultrapassar, tomei a sábia decisão de pular daquela bicicleta antes de chegar na linha final. Arremessei a bike pro lado e, como no circo, caí de pé, retinho. Só tinha esquecido que eu estava a 200 km/h e, quando finquei o pé, no chão, meu corpo voou pra frente.
            Dei algumas cambalhotas e cai deitado. Não saiu uma gota de sangue de mim (valeu, Anjo da Guarda). Levantei rapidamente para evitar embaraços com o primo mais novo. Olhei para trás e o Luca estava, prudente, descendo devagar o final do morro, com seu breque em perfeitas condições.
            Para fingir que não foi nada, peguei a bicicleta no braço e voltamos a subir. Estou bem! Relaxa! Hahaha! Ganhei! Isso, claro, antes de ficar branco e quase desmaiar. Cara, chama meu pai lá na casa. Acho que quebrei alguma coisa.

            Quebrei a clavícula e feri meu orgulho. Nunca mais quebrei outro osso do corpo, só essa crosta horrível que a gente veste pra fingir que é melhor que alguém. Que bom que quebrou cedo. Que bom que saiu de mim. Valeu, Luca!

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