segunda-feira, 15 de setembro de 2014

sonhos gravados

Não faz muito tempo, mas li que Fellini costumava acordar e desenhar as figuras pitorescas que havia sonhado. Esse turbilhão de desenhos o levou a imaginar uma história bizarra, mas tão interessante que não pode ficar fora da filmografia de ninguém: “Amarcord”.
            E resolvi, com todo meu sobrenome italiano, proceder de maneira semelhante. Claro que não consigo desenhar nem um homem-palito de pé, muito menos acordar e pegar minha pena e redigir a “Ilíada”. Mas somos homens modernos, do novo milênio, e temos conosco a grande parceira: a tecnologia. 
            Como bom narigudo, decidi gravar meus sonhos no celular. Ideia infalível! Quem mais rápido que minha boca e um gravador para deixar esclarecido o que aconteceu naquela névoa de acontecimentos da noite?
            É um procedimento que exige muito de nós: ligar um celular de manhã é como acender um holofote na sua cara. Nesse lusco-fusco, encontrar o aplicativo é como atravessar um “slack-line” de costas. Mas a prática ajuda os esforçados, como sempre foi. Depois de clicar o botão vermelho e gravar sua voz, fica a parte mais difícil: nomear “Sonho nXX”.
            Tomei uma decisão de evitar escutar meus sonhos até ter atingido um bom número deles. Queria deixar fluir meus pensamentos, para poder, quem sabe, criar algo a partir dessas maravilhosas ideias que brotam na cabeça dos italianos enquanto dormem.
             Mas claro que nem toda grande ideia se transforma num grande projeto de vida. Chegou o tão esperado dia (que foi um dia qualquer que não cabia mais nada no meu celular e tive que apagar algumas coisas). Fui escutar: “Sonho 1”. Primeiro, claro, você se assusta com sua voz: parece o Darth Vader fanho. Segundo, você se assusta e acha que morreu com as longas pausas que dá entre um assunto e outro. Terceiro, você mal entende o que você tá falando. Quarto, geralmente acaba com um: “acho que é isso, não me lembro direito”.

            Percebi que não iria conseguir fazer nada artístico com aqueles quase 50 sonhos gravados no celular. O projeto foi todo por agua abaixo, naquelas falas tão nebulosas quanto o sonho em si. Mas uma coisa é fato: escutei novamente o sonho 24. E, enquanto me escutava, vivi todo meu sonho acordado, tempos depois. Foi sensacional e esquisito. Fica a sugestão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário