Não faz muito tempo, mas li que Fellini
costumava acordar e desenhar as figuras pitorescas que havia sonhado. Esse
turbilhão de desenhos o levou a imaginar uma história bizarra, mas tão
interessante que não pode ficar fora da filmografia de ninguém: “Amarcord”.
E
resolvi, com todo meu sobrenome italiano, proceder de maneira semelhante. Claro
que não consigo desenhar nem um homem-palito de pé, muito menos acordar e pegar
minha pena e redigir a “Ilíada”. Mas somos homens modernos, do novo milênio, e
temos conosco a grande parceira: a tecnologia.
Como
bom narigudo, decidi gravar meus sonhos no celular. Ideia infalível! Quem mais
rápido que minha boca e um gravador para deixar esclarecido o que aconteceu
naquela névoa de acontecimentos da noite?
É
um procedimento que exige muito de nós: ligar um celular de manhã é como acender
um holofote na sua cara. Nesse lusco-fusco, encontrar o aplicativo é como
atravessar um “slack-line” de costas. Mas a prática ajuda os esforçados, como
sempre foi. Depois de clicar o botão vermelho e gravar sua voz, fica a parte
mais difícil: nomear “Sonho nXX”.
Tomei
uma decisão de evitar escutar meus sonhos até ter atingido um bom número deles.
Queria deixar fluir meus pensamentos, para poder, quem sabe, criar algo a
partir dessas maravilhosas ideias que brotam na cabeça dos italianos enquanto
dormem.
Mas claro que nem toda grande ideia se
transforma num grande projeto de vida. Chegou o tão esperado dia (que foi um
dia qualquer que não cabia mais nada no meu celular e tive que apagar algumas
coisas). Fui escutar: “Sonho 1”. Primeiro, claro, você se assusta com sua voz:
parece o Darth Vader fanho. Segundo, você se assusta e acha que morreu com as
longas pausas que dá entre um assunto e outro. Terceiro, você mal entende o que
você tá falando. Quarto, geralmente acaba com um: “acho que é isso, não me lembro
direito”.
Percebi
que não iria conseguir fazer nada artístico com aqueles quase 50 sonhos
gravados no celular. O projeto foi todo por agua abaixo, naquelas falas tão
nebulosas quanto o sonho em si. Mas uma coisa é fato: escutei novamente o sonho
24. E, enquanto me escutava, vivi todo meu sonho acordado, tempos depois. Foi sensacional
e esquisito. Fica a sugestão.
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