Ficava
no meio do Tocantins e a gente ia de carro, de São Paulo. Dois dias de viagem,
com uma parada no Flamboyant de Goiânia. Tinha um chão, UMA parede e um teto, o
que significa que as outras três paredes não existiam: eram vazadas. A gente dormia
em redes (quanto mais alto, mais seguro), comia o peixe que a gente pescava e,
na ausência das mulheres da família, fazia tudo que dava na telha, o que
incluía sair de bote a noite no meio dos jacarés, soltar bombinha no meio do
pasto de vacas e nadar pelado num rio cheio de piranhas.
A
quantidade de histórias que aconteciam valeram por uma vida inteira. Era anzol
que fisgava alguém, era primo que quebrava o braço e tinha que resolver tudo lá
(a sorte de ter uma família cheia de médicos), era cobra que surgia do nada,
era carro atolado, era a mesma faca que a gente usava pra tudo, desde cortar o
queijo de manhã e abrir as tripas dos peixes.
Se
buscar lá no fundo, ainda conseguimos lembrar de alguns detalhes, apesar de a
Fazenda ter sido vendida há uns 10 anos. São marcas que ficam no coração e
quanto mais a gente pensa, mais memórias vem. Essas são algumas lembranças que
eu tenho, algumas só minha, outras de todos nós.
Era o gosto doce
do abacaxi que a gente comprava na estrada, do mesmo carinha que ficava embaixo
de uma árvore enorme.
Era o vovô com a
mesma jaqueta amarela, fazendo suco de laranja às cinco da manhã ao som do
famosíssimo “os três boiadeiros japoneses”. Os dois lados da fita tinham a
mesma música.
Era a sensação
de sentir o peixe fisgar na sua linha, ainda sem saber o que será, qual o
tamanho e se a briga vai ser boa.
Era o frio na
barriga de sair de São Paulo às três da manhã no primeiro dia, todos reunidos
na casa do vovô em uns 4 carros. E poder ver o sol nascer da estrada.
Era organizar a
sua pequena maleta de pesca, com os diferentes anzóis, linhas, alicates,
canivetes e um chocolate escondido para comer no meio do caminho.
Era se esconder
no sleeping para se proteger dos mosquitos, mas também passar muito calor.
Era ver seu pai
com o chapéu do Indiana Jones fazendo alguma coisa que a gente era muito
pequeno para ter ideia de como fazer.
Era o caminho
cheio de árvores no meio do rio para chegar na Prainha. Tinha que ir cortando
os galhos para abrir passagem.
Era andar no
porta malas do carro, com a porta aberta, e sentir a grama raspando no nosso pé
descalço. O problema era quando vinha uma pedra. Mas o jogo era divertido.
Era colocar o
boné no rio, encher de água e vestir de novo na cabeça, pra refrescar o calor
que fazia.
Era tomar banho
no rio, com o sabonete de coco, com um furo no meio e uma corda de silicone
para ninguém deixar cair e perder.
Era ir ver os
vários olhos amarelos de jacarés a noite, mas sempre atrás de um primo ou irmão
mais velho.
Eram tantas
coisas que não tenho nem vontade de parar de escrever. Cada uma é um flashback
na minha cabeça. E algumas eu ainda consigo sentir, mesmo que tenha sido com
uns 8 anos de idade. A Fazenda foi um lugar místico. E só existe agora dentro
da gente. Como eram boas essas férias de Julho.
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