segunda-feira, 27 de julho de 2015

fazenda

            Ficava no meio do Tocantins e a gente ia de carro, de São Paulo. Dois dias de viagem, com uma parada no Flamboyant de Goiânia. Tinha um chão, UMA parede e um teto, o que significa que as outras três paredes não existiam: eram vazadas. A gente dormia em redes (quanto mais alto, mais seguro), comia o peixe que a gente pescava e, na ausência das mulheres da família, fazia tudo que dava na telha, o que incluía sair de bote a noite no meio dos jacarés, soltar bombinha no meio do pasto de vacas e nadar pelado num rio cheio de piranhas.
            A quantidade de histórias que aconteciam valeram por uma vida inteira. Era anzol que fisgava alguém, era primo que quebrava o braço e tinha que resolver tudo lá (a sorte de ter uma família cheia de médicos), era cobra que surgia do nada, era carro atolado, era a mesma faca que a gente usava pra tudo, desde cortar o queijo de manhã e abrir as tripas dos peixes.
            Se buscar lá no fundo, ainda conseguimos lembrar de alguns detalhes, apesar de a Fazenda ter sido vendida há uns 10 anos. São marcas que ficam no coração e quanto mais a gente pensa, mais memórias vem. Essas são algumas lembranças que eu tenho, algumas só minha, outras de todos nós.
Era o gosto doce do abacaxi que a gente comprava na estrada, do mesmo carinha que ficava embaixo de uma árvore enorme.
Era o vovô com a mesma jaqueta amarela, fazendo suco de laranja às cinco da manhã ao som do famosíssimo “os três boiadeiros japoneses”. Os dois lados da fita tinham a mesma música.
Era a sensação de sentir o peixe fisgar na sua linha, ainda sem saber o que será, qual o tamanho e se a briga vai ser boa.
Era o frio na barriga de sair de São Paulo às três da manhã no primeiro dia, todos reunidos na casa do vovô em uns 4 carros. E poder ver o sol nascer da estrada.
Era organizar a sua pequena maleta de pesca, com os diferentes anzóis, linhas, alicates, canivetes e um chocolate escondido para comer no meio do caminho.
Era se esconder no sleeping para se proteger dos mosquitos, mas também passar muito calor.
Era ver seu pai com o chapéu do Indiana Jones fazendo alguma coisa que a gente era muito pequeno para ter ideia de como fazer.
Era o caminho cheio de árvores no meio do rio para chegar na Prainha. Tinha que ir cortando os galhos para abrir passagem.
Era andar no porta malas do carro, com a porta aberta, e sentir a grama raspando no nosso pé descalço. O problema era quando vinha uma pedra. Mas o jogo era divertido.
Era colocar o boné no rio, encher de água e vestir de novo na cabeça, pra refrescar o calor que fazia.
Era tomar banho no rio, com o sabonete de coco, com um furo no meio e uma corda de silicone para ninguém deixar cair e perder.
Era ir ver os vários olhos amarelos de jacarés a noite, mas sempre atrás de um primo ou irmão mais velho.

Eram tantas coisas que não tenho nem vontade de parar de escrever. Cada uma é um flashback na minha cabeça. E algumas eu ainda consigo sentir, mesmo que tenha sido com uns 8 anos de idade. A Fazenda foi um lugar místico. E só existe agora dentro da gente. Como eram boas essas férias de Julho.

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