segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Por que não fui médico?


Quem não me conhece, não sabe que sou: filho, neto dos dois lados, sobrinho de alguns, cunhado, concunhado, genro e primo de médicos. Como podem imaginar, já vi hemorroidas receberem elogios e escutei piadas sobre o fígado. Passava as férias correndo no hospital e invadindo a dispensa deles.
            E porque, oh Victor, você não seguiu tão brilhante carreira? Porque não usou seu intelecto e força de vontade para salvar vidas? Naturalmente, essas perguntas chegam em mim. E em todos os outros irmãos e primos que também não escolheram a nobríssima profissão.
            Existem diversas partes para achar uma resposta digna. Poderia começar contando o dia que um anzol entrou no braço do meu avô, enquanto a gente pescava,  e os médicos se reuniram em volta da ferida para conversar sobre a beleza do machucado, usando termos e expressões de felicidade. Pareciam que tinham encontrado ouro, ou um cartão de crédito ilimitado. Estavam tão animados que esqueceram de olhar ao lado e ver os filhos e sobrinhos quase desmaiando com a cena.
            Poderia também citar quando meu pai levava a gente pra “brincar” de médico. Vestia com a roupa verde, máscaras e luvas, e colocava a gente para assistir a operação. Numa fase da vida em que o único sangue que você viu era quando o nariz de alguém sangrava, podem imaginar como a gente ficava com o passeio tão bacana.
            Ou quando se reuniam entre amigos, aqui em casa, e mostravam as várias fotos e vídeos das respectivas cirurgias. “Olha esse pâncreas! Já viu coisa mais linda?”. “A cirurgia foi belíssima. Era pus pra todo lado.”. “Já dei alta pro coitado. Vai ficar com um cateter saindo pelo pescoço e conectando com o estômago.”
            Parecia filme de terror.
            Sem entender, os médicos se decepcionaram com nossa geração de "desmaiadores". Estranho, né? Porque uma criança poderia se assustar com uma barriga aberta jorrando sangue? Essas são as perguntas que naturalmente devolvemos quando recebemos o questionamento da profissão.

            Mas tentando usar uma linguagem que todos entendam, e sem desrespeitar a minha segunda opção de vestibular, porque não fiz medicina: preferi correr atrás de ser um melhor “médico de almas” do que um “médico de corpo”. Tem muita gente tendo o coração operado e não se preocupando se está batendo de verdade.

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