segunda-feira, 24 de agosto de 2015

susto: uma arte a ser descoberta


Pouquíssimo se fala na maravilhosa arte de “dar susto”. Um filme ou outro, com monstros e carregadores de energia, mas sempre de forma pejorativa, menor do que se deveria.
            Dar susto é uma arte. E explico o porquê: existe todo um conhecimento prévio, existe uma preparação, existe uma execução e, principalmente, como todas as formas de arte, você faz por apreço e não por obrigação. Sem motivo algum, quase matamos as pessoas do coração.
            Como toda arte incrível, também no susto existe uma satisfação pessoal pela obra bem realizada. Quanto mais o coração do outro parar, melhor. Claro que essas conclusões não vieram de livros ou aulas. Tudo que conheço desta bela forma de arte foi aprendido na base da experiência científica.
            Minha família tem uma casa em Campos do Jordão. A casa tem uns 100 anos, com fogão a lenha e portas que rangem. Clichê, eu diria. Mas propícia para o susto. E a família sempre se reúne na sala onde tem uma fogueira. E a fogueira só funciona muito bem quando tem as famosas “garras do tio Mário”, que são garras secas que caem das árvores.
            Naquela noite pacata, as garras haviam acabado. Todos estavam com medo, mas meu irmão e meu primo tomaram as rédeas e disseram que iam no meio do mato atrás de garras. Um tanto quanto imbecil, já que são sempre essas ideias nos filmes de terror que dão errado. Mas eles foram.
            Minha cabeça estava a mil por hora. Era o grande momento. Os dois pegaram seus tênis, suas lanternas, um pedaço de pau caso encontrassem algo e uma sacola para colocar as garras.
            Aqui faço um parênteses: os melhores sustos não são os que você aparece gritando, ou dá um berro para amedrontar alguém. São aqueles que você não faz nada e os outros quase morrem do coração. Fecha parênteses.
            Eles saíram. Dei um minuto e afirmei que ia ao banheiro. Pulei a janela e saí da casa, sem lanterna, sem nada. Conseguia vê-los de longe, seguindo a trilha para dentro do mato, pegando garras. Corri silencioso por entre as árvores.
            Eventualmente, fazia algum barulho, o que os deixavam mais assustados ainda, que teria algo ou alguém seguindo os passos deles. Já estavam, com o perdão da palavra, cagando de medo. Ganhei vantagem na distância e parei uns 50 metros na frente deles. Eles vinham na minha direção, totalmente na escuridão.
            O que fazer? Qual tipo de susto usar? Pular na frente deles? Jogar uma pedra? Fazer uma voz horrorosa? Todas eram boas opções, mas preferi usar uma técnica diferente. Deitei ao lado da árvore, na trilha que eles seguiam, de barriga para cima, braços caídos, imitando um corpo “morto” no meio do mato. E fiquei.
            As duas lanternas passavam de vez em quando por mim, mas eles ainda não viam. Continuaram andando, cada vez mais próximo, mais perto. Mas só quando estavam à um metro de distância é que eles viram o corpo morto.
            Bom, o grito deles assustou as pessoas que estavam na casa. Eu dei um tremelique no meio do grito, para prolongar um pouco mais.
            E depois ri. Ri do sucesso, da obra perfeita, bem-realizada, digna de um mestre dos sustos. Não houve nenhum problema e só seria melhor se eles saíssem correndo.
            Eles obviamente não gostaram da brincadeira. Mas ao contar a história para os medrosos que ficaram na sala, todos adoraram. Parecia estar comentando um filme, uma pintura, uma música. Definitivamente, uma obra de arte que ainda precisa ser descoberta por muitos.


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