Todos nós já quisemos ser pirata ao menos
uma vez na vida. Quando criança, quando assistia “Peter Pan”, quando assistia
“Piratas do Caribe”, quando lia “Ilha do Tesouro”. Ser pirata é um estado de
espírito, rebelde, inovador, contestador, contra tudo e contra todos, até que
se prove o contrário.
A
definição quase se assemelha à adolescência. Mas vai além. O pirata é dono de
si próprio e não depende mais dos pais. O pirata é inteligente: não é rebelde
por ser rebelde. É rebelde com motivo.
Dito
isto, com uns 18, 19 anos, resolvi fazer um piercing na orelha. No lado
esquerda (um dia eu conto minha teoria dos lados do corpo que as pessoas fazem
piercings ou tatuam). Eu tinha um cabelo enorme, barba, roupas rasgadas.
Definitivamente, só faltava o piercing. Até espada eu tinha.
Mas
claro que meus pais não sabiam e nem podia saber. Já bastava estar fazendo
faculdade de Cinema, agora ia aparecer com um piercing? Mas pirata que nós
somos, aproveitamos a oportunidade do cabelo para esconder o pedaço de metal no
topo da orelha esquerda.
Era
uma sexta-feira. Era quase meu aniversário. Eu queria me presentear com algo.
Fui num tatuador na Av. Santo Amaro, escolhi o piercing preto e sentei na
cadeira dele. Só esqueci de avisar que eu morro com agulhas. Quando ele furou
minha orelha - parecia o gancho do Capitão Gancho - eu apaguei. Acordei uns 3
minutos depois já com o piercing, capotado na maca (neste momento, falhei como
pirata. Mas era apenas o começo dessa vida, vamos relevar).
Meu
estado físico estava acabado. Tive que cancelar um aniversário da grande amiga
Celina (que faz o favor de anualmente me relembrar deste ocorrido). Estava até
com enjoo desse navio em alto mar. Fui pra casa, comprei todos os artefatos
para cuidar e pronto. Era pirata. Finalmente pirata quando me olhava no espelho
e via o piercing.
Não
inflamou, não deu problema. Depois de uns 8 meses, minha irmã mais nova viu a
escondida argola. Quase berrou, mas eu a segurei com rapidez. Virou nosso
segredo do tesouro. Pirata bom é pirata sagaz.
Mas
um dia, quando nem mais lembrava do sujeito, chego em casa, e descubro que fui
traído por outro irmão. Ele alertou aos marinheiros do barco que eu tinha um
segredo. Tive que mostrar pro Capitão. Meu pai nem ligou. Minha madrasta também
não. Pude cortar um pouco o cabelo, que já passava de pirata para hippie.
E
rápido assim, acabou minha vida de pirata. A profissão foi pro saco. Já não
tinha mais rebeldia, não tinha mais segredos, não tinha mais gancho na orelha.
Era agora um cineasta comum, como tantos outros com o brinco na orelha. Um dia
cansou. Tirei o piercing.
Mas
o espírito rebelde se manteve. Para mudar o mundo é preciso vê-lo pelo lado de
fora. É preciso ser rebelde, é preciso não aceitar como dada as informações. É
preciso pensar. É preciso sair da zona de conforto. Não é preciso ter cabelo e
barba grande, ou piercing na orelha. É preciso, sim, indagar, pensar, refletir.
E ao mesmo tempo, sentir aquele frio na barriga, intenso, apaixonante.
Por isso eu
digo, meus caros: é preciso ser pirata uma vez na vida.
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