quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

aula de teatro no Poder Jovem


Estou atrasado com a crônica que deveria sair na Segunda e atrasado com o dia 1º de Dezembro, dia Mundial da Luta contra AIDS. Um pouco atrasado em tudo, como todo final de ano costuma ser.
            Em um aniversário meu, uns 4, 5 anos atrás, minha tia me ligou, me parabenizou e me fez um convite: se eu não gostaria de dar “uma força” para o teatro da turma do Poder Jovem, um braço para adolescentes da ONG VER, no Hospital Emílio Ribas. Aceitei sem saber o que era Poder Jovem, o que era o VER e o que era HIV-AIDS.
            No sábado em que cheguei, minha tia gentilmente me apresentou como “professor de teatro” e, de repente, tinham uns vinte adolescentes esperando que eu conduzisse as próximas duas horas. Caí de paraquedas e por lá fiquei por uns 2 anos e meio, sem nunca questionar.
            Entre risos e berros, maluquices, falecimentos e emoções, chegamos a fazer cinco peças de teatro. As aulas eram no auditório ou na laje do hospital (diga-se de passagem, uma loucura completa dar aula lá). Tinha que ser duro muitas vezes. E tinha que ser mole. Nunca havia entendido – e nunca entendi direito – o que era ser portador do HIV. Ter AIDS. O lema sempre foi: vivendo e convivendo. E terminou em “somos todos convivendo”.
            Lembro da primeira vez que tivemos que parar a aula para visitar um aluno que estava internado nos andares de cima do hospital. Lembro de quando o Marcinho, um dos rapazes mais ativos, faleceu. Lembro de abraços, de lágrimas, de risadas. Lembro de insistir para o Thiago em me atualizar com o São Paulo. E do grande general romano Silas. E da Bruninha brava que estava de faxineira na peça. E das batidas de mão com o Betinho. Do Pedrinho que pulava na minha perna. Do Felipe tocando violão. Da Hellen e suas coreografias incríveis. Do Vinícius para sempre Severino. Do dia que perdi uma aposta e tive que dar aula com a camiseta do Corinthians. Do espírito guerreiro da Sandra e da Silvia. Lembro de quando o querido Marcelinho faleceu. Lembro da Thalita, da Evellyn, da Renata, da Aline indo para a PUC. Lembro de todos, mesmo esquecendo de escrever aqui. E, na verdade, lembro quase nada do HIV-AIDS.
            Uma das peças foi “O Pedido da Morte”. Apresentei aos alunos uns dez textos e esse era o único que eu tinha escrito. Apresentei com receio, achando que falar de morte seria um tanto quanto inconveniente, por ser um assunto tão presente. Em dois minutos, a sala já havia escolhido: era esse mesmo que queriam fazer para o final de ano. Sobre morrer, mas, principalmente, sobre viver intensamente. Viver feliz. Viver fazendo a Morte invejar você todos os dias.
            Tinha por objetivo com esse texto aproximar a Morte de mim e olhá-la nos olhos. E quando eu vi, todos os garotos e garotas já lidavam com isso diariamente. E mais ainda: sorriam, dançavam, pulavam, cantavam. Fiquei imaginando a Morte, cheia de pose, chegando perto deles. E eles esnobando! Fiquei pasmo. Era para ser tratada de maneira muito séria. Seriamente engraçada, para eles. Eles não tem medo Dela. Eles aprendem com Ela todos os dias.

            Foi uma das lições mais valiosas que tive na vida. Eles acham que eu ensinei alguma coisa para eles. No final, fui eu quem aprendi sobre viver e sobre lidar com a Morte, assunto que deveria ser obrigatório em todas as escolas da vida. Obrigado tia Glória por me arremessar no meio de tanta gente incrível. Obrigado a todos vocês do Poder Jovem por ensinarem a viver intensamente, viver feliz. Somos todos convivendo.

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