Estou atrasado com a crônica que deveria
sair na Segunda e atrasado com o dia 1º de Dezembro, dia Mundial da Luta contra
AIDS. Um pouco atrasado em tudo, como todo final de ano costuma ser.
Em
um aniversário meu, uns 4, 5 anos atrás, minha tia me ligou, me parabenizou e
me fez um convite: se eu não gostaria de dar “uma força” para o teatro da turma
do Poder Jovem, um braço para adolescentes da ONG VER, no Hospital Emílio
Ribas. Aceitei sem saber o que era Poder Jovem, o que era o VER e o que era
HIV-AIDS.
No
sábado em que cheguei, minha tia gentilmente me apresentou como “professor de
teatro” e, de repente, tinham uns vinte adolescentes esperando que eu
conduzisse as próximas duas horas. Caí de paraquedas e por lá fiquei por uns 2
anos e meio, sem nunca questionar.
Entre
risos e berros, maluquices, falecimentos e emoções, chegamos a fazer cinco
peças de teatro. As aulas eram no auditório ou na laje do hospital (diga-se de
passagem, uma loucura completa dar aula lá). Tinha que ser duro muitas vezes. E
tinha que ser mole. Nunca havia entendido – e nunca entendi direito – o que era
ser portador do HIV. Ter AIDS. O lema sempre foi: vivendo e convivendo. E
terminou em “somos todos convivendo”.
Lembro
da primeira vez que tivemos que parar a aula para visitar um aluno que estava internado
nos andares de cima do hospital. Lembro de quando o Marcinho, um dos rapazes
mais ativos, faleceu. Lembro de abraços, de lágrimas, de risadas. Lembro de
insistir para o Thiago em me atualizar com o São Paulo. E do grande general
romano Silas. E da Bruninha brava que estava de faxineira na peça. E das
batidas de mão com o Betinho. Do Pedrinho que pulava na minha perna. Do Felipe
tocando violão. Da Hellen e suas coreografias incríveis. Do Vinícius para
sempre Severino. Do dia que perdi uma aposta e tive que dar aula com a camiseta
do Corinthians. Do espírito guerreiro da Sandra e da Silvia. Lembro de quando o
querido Marcelinho faleceu. Lembro da Thalita, da Evellyn, da Renata, da Aline
indo para a PUC. Lembro de todos, mesmo esquecendo de escrever aqui. E, na
verdade, lembro quase nada do HIV-AIDS.
Uma
das peças foi “O Pedido da Morte”. Apresentei aos alunos uns dez textos e esse
era o único que eu tinha escrito. Apresentei com receio, achando que falar de
morte seria um tanto quanto inconveniente, por ser um assunto tão presente. Em
dois minutos, a sala já havia escolhido: era esse mesmo que queriam fazer para
o final de ano. Sobre morrer, mas, principalmente, sobre viver intensamente.
Viver feliz. Viver fazendo a Morte invejar você todos os dias.
Tinha
por objetivo com esse texto aproximar a Morte de mim e olhá-la nos olhos. E
quando eu vi, todos os garotos e garotas já lidavam com isso diariamente. E
mais ainda: sorriam, dançavam, pulavam, cantavam. Fiquei imaginando a Morte,
cheia de pose, chegando perto deles. E eles esnobando! Fiquei pasmo. Era para ser
tratada de maneira muito séria. Seriamente engraçada, para eles. Eles não tem
medo Dela. Eles aprendem com Ela todos os dias.
Foi
uma das lições mais valiosas que tive na vida. Eles acham que eu ensinei alguma
coisa para eles. No final, fui eu quem aprendi sobre viver e sobre lidar com a
Morte, assunto que deveria ser obrigatório em todas as escolas da vida.
Obrigado tia Glória por me arremessar no meio de tanta gente incrível. Obrigado
a todos vocês do Poder Jovem por ensinarem a viver intensamente, viver feliz. Somos
todos convivendo.
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